10
de fevereiro de 2015
A Comissão Nacional da
Verdade (CNV) entregou o relatório final sobre as violações de direitos humanos
praticadas entre 1946 e 1988 tratando do caso único de empresa perseguida pelo Estado e concluindo
que o fechamento da companhia
aérea Panair do Brasil se deu por motivos políticos e não financeiros. Exatamente hoje fazem 50 anos do golpe
que acabou com a Panair.
A questão da Panair
começou a ser levantada quase quarenta anos após a sua saída do mercado através de 4 atores:
Paulo F. Laux com reportagem de 17 páginas na revista Flap número 350 de
outubro de 2001; Giancarlo Betting, com artigo “Panair do Brasil – saudade em
suas asas” de 2002; Daniel Leb Sasaki, com livro “Pouso forçado: a história por trás
da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar” lançado em 2006 prova
que a escandalosa falência da empresa na década de 1960 não passou de uma
manobra do governo para beneficiar a Varig e Marco Atberg com o filme
documentário Panair do Brasil de 2007. Betting e Laux ganharam o Prêmio Santos
Dumont em 2002, Betting falando da TAM e Laux sobre hidroaviões.
Marco Atberg conhece
mesmo a história e relata em livro que (1) “Conhecia um pouco a história da
Panair, mas, sobretudo, me impressionavam os indícios de conspiração do governo
militar em conluio com os interesses econômicos da Varig, o que tornava tudo
ainda mais instigante. E conclui mostrando que tinha grande conhecimento da
empresa “A Panair detinha a liderança nos voos nacionais e internacionais(...)
as linhas da Panair cobriam o Brasil, a Europa, o Oriente Médio e a América
Latina. Aquilo que a Varig não obteve na concorrência comercial, consumou-se em
um golpe articulado junto ao regime militar (...) do dia para a noite, os voos
da Panair foram imediatamente substituídos pelos da Varig. Quando de seu
fechamento, a Panair tinha, aproximadamente, 5 mil empregados. Sua
administração era muito moderna, democrática e progressista. Identificada com o
Brasil de Juscelino Kubitschek. A Panair foi extinta pelos militares porque
seus proprietários, Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, eram
ligados ao Juscelino e ao Jango”.
A PANAIR realmente não era uma empresa qualquer, considerada por muitos como a melhor
empresa brasileira dos anos 40 até 10 de fevereiro de 1965 quando num gesto
discricionário foi deferido um único e certeiro golpe que acabava com essa
instituição aérea brasileira. Fundada no Rio de Janeiro como NYRBA do Brasil,
subsidiária da empresa americana NYRBA (New York, Rio de Janeiro e Buenos Aires
Line) e que, com a Grande Depressão, foi adquirida pela Pan Am. A filial
brasileira passou então a ser PANAIR do Brasil.
O Golpe não foi deferido
por qualquer um, mas pelo Ministro da Aeronáutica e protagonista de grandes acontecimentos
da República Nova (1945 até 1964), o Brigadeiro Eduardo Gomes. Foi um dos
sobreviventes da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana em 1922; foi preso
ao tentar se integrar a Coluna Prestes em
1924; responsável pela criação do
Correio Aéreo Nacional (CAN) em 1932; candidato a presidência em 1945 e de novo em 1950; em torno do seu nome é que foi
aglutinado o embrião da União Democrática Nacional, a UDN; participou da
campanha para afastar Getúlio Vargas da presidência após o atentado a Carlos
Lacerda em 1954 e, por último,
participou do Golpe de 64 que o
conduziu ao ministério da aeronáutica.
A disputa que se dá
entre no mercado brasileiro é pano de fundo para o período entre-guerra com os
alemães tendo criado a Varig e Syndicato Condor em 1927; os franceses criaram a
Aéropostale em 1927, filial da Latecoere, enquanto os americanos criaram a
NYRBA do Brasil em 1930.
A entrada do Brasil ao
lado dos aliados em 1942 provoca mudanças nas empresas: a Condor retira os alemães
da sua direção e passa a se denominar Cruzeiro do Sul enquanto a Varig passa o
controle para os seus funcionários através da Fundação dos Funcionários da
Varig e que viria a ser a futura Fundação Ruben Berta.
Como legado do fim da
guerra houve uma profusão de pequenas empresas aéreas operando o excedente de aviões produzidos para
a guerra como os DC-3 e a Panair
assume as rotas para a Europa enquanto a Aerovias e depois Real opera para os
EUA. O alto número de empresas e aviões também gera um alto número de acidentes
e, em 1961, é criada uma CPI que provoca a concentração das empresas. Já em
1962 sobram apenas três empresas que operam apenas voos nacionais e duas que
operam também os voos internacionais, a
Panair (recém-nacionalizada) e a Varig.
A Varig também não é uma
empresa qualquer, foi a primeira empresa aérea nacional e alcança os anos 60
reconhecida como a mais respeitada empresa da aviação civil brasileira com os
melhores indicadores operacionais, principalmente de segurança, e os pilotos
mais dedicados por ser uma empresa dos próprios funcionários e um atendimento
que se tornou referência mundial. A mais tradicional e antiga empresa nacional
– o que lhe dava a alcunha de “A Pioneira” – tinha também uma estreita relação
com os mais notáveis políticos de seu tempo.
A relação com os
trabalhistas como Getúlio Vargas, Brizola e Jango nunca foi negada e por
diversas vezes seus comandantes chegaram a desafiar as próprias forças armadas.
Na campanha da legalidade e nos últimos dias do governo Jango, acusado de ser
comunista por setores conspiratórios nacionais e estadunidenses, a Varig disponibilizou
o seu serviço ao legítimo presidente brasileiro.
Com o Golpe Militar,
diversas pessoas são perseguidas como é o caso dos proprietários da Panair que
tem todo o seu patrimônio espoliado, eles também eram donos da TV Excelsior, da
Comal (maior exportadora de café do Brasil), da Editora Melhoramentos, do Banco
Noroeste, do Supermercado Sirva-se, da Repetidora Rebratel, da Seguradora Ajax
e de mais 30 empresas. A rapidez com que eles foram expurgados do mundo empresarial brasileiro após
1964 foi absolutamente espantosa.
Para o jurista Saulo
Ramos, o fechamento da Panair resultou de alguns fatores, entre eles: o desejo
da Ditadura de acabar com o predomínio de Simonsen no mercado do café e o fato
de Celso da Rocha Miranda ser malvisto por ser amigo de JK. Óbvio que a
investigação da CV deveria ser feita para todas as
empresas do grupo e se não foi feita se deve ao interesse em colocar a Panair
como vítima.
Assim, é possível
concluir que a Panair só poderia ter sido perseguida por dois motivos: 1 – a empresa tinha
sérios problemas financeiros e operacionais como apurado pela CPI em 1962 que
levou a uma primeira concentração ou 2 – a empresa foi perseguida por conta da
rivalidade política dos militares com os seus proprietários. Independente do
motivo só havia uma empresa aérea no Brasil em condições de assumir as suas
rotas.
Ponto de Inflexão
Pode ser coincidência,
mas a reportagem, o artigo, o livro e o filme-documentário lançados entre 2002
e 2005 dão vão pautar o caso Panair.
Uma pesquisa rápida no site de busca Google mostra que o tema Panair até 2005
estava relacioanada com a música do Milton Nascimento e Fernando Brandt,
“Saudade dos Tempos da Panair” e a peças de colecionador. A partir de 2005 a
questão ganha espaço em vários blogs e sites, mas
não nos especializados em aviação como poderíamos esperar e sim nos ligados ao PT e a sua máquina de propaganda.
A nova presidente da
Comissão da Verdade, a advogada Rosa Cardoso, ao assumir o cargo já diz a que veio destacando a importância de se conhecer casos de
empresas que cresceram durante a ditadura, citando as construtoras Odebrecht e
Camargo Corrêa. "Mas também a Globo, empresa de comunicação. A Varig, por
exemplo, que tomou o lugar da Panair, numa falência absolutamente fraudulenta
que lhe foi imposta."
O que se quer ao colocar
a Panair no papel de vítima é amputar a Varig a responsabilidade pela retirada
da Panair pelos militares já que ela foi a grande beneficiária, mas essa
análise é feita sem um mínimo de crítica e
pesquisa histórica. Vejamos.
A reportagem de Paulo F. Laux na Revista Flap foi contestada pelo Guido
Sonino da Aeroconsult que levantou todos os pontos comentados de maneira dúbia,
mas resgata que "as linhas da Panair apresentavam os mais baixos
aproveitamentos do setor, com um aproveitamento que segundo o DAC era de apenas
43%, contra um break-even de 62%”.
O virulento artigo de Gianfranco Betting de 2002 diz
textualmente que a Panair “teve sua morte decretada pelo Governo Federal, numa
manobra que contou com a participação da Varig (...) a página mais vergonhosa
de nossa aviação havia sido escrita, num conluio entre um Governo Federal
totalitário, então sob comando dos militares e uma empresa aérea concorrente”.
Sete anos mais tarde Betting se intitula fã de carteirinha da Varig, escreve o
livro denominado “Varig – a eterna pioneira” (queria fazer o seu obituário?) e
hoje é Diretor de Marketing da Azul linhas aéreas.
No dia 08 de março de
2005, com o livro ainda no prelo, Sasaki, aos 22 anos e
sem nenhum livro publicado antes, foi agraciado com uma generosa entrevista da
profícua jornalista Marinilda Carvalho no prestigiado site “Observatório da
Imprensa”. O perfil do Twiter de Marinilda Carvalho fala muito dela. Lá ela se intitula
como “Mensaleira do INSS”; VERMELHA (vermelhaça!); MUITO ateia (malcriada!);
PETISTA (governista!)” (10). Hoje,
aos 32 anos, Sasaki sem outro
livro publicado ainda vive de falar da Panair e ainda é colaborador bisexto da revista de
bordo da Gol linhas aéreas.
O filme documentário de Atberg mereceu dura crítica de Edilson Saçashima (2) crítico
do UOL “Mas a opção de Altberg de
apresentar apenas a versão da Panair dá ao filme um aspecto quase oficial (...)
O filme dá grande peso aos depoimentos dos ex-funcionários e familiares, o que
provoca a impressão de vitimização da Panair diante dos "vilões"
Varig e ditadura militar (...) difícil ver uma história bem-sucedida como a da
Panair do Brasil sem um ar de desconfiança, ainda mais quando se opta pelo
ponto de vista dos envolvidos diretos”. Uma outra informação pode ajudar a
entender a postura passional de Atberg: ele é casado com a neta dos antigos
donos da Panair com quem tem quatro filhos.
Essa orquestrada ação
para colocar a Varig no banco dos réus pode ter a intenção de tirar o governo
Lula e Dilma dessa condição – a cada dia novos livros, artigos são publicados e
até matéria no wikileaks foi divulgado relacionando
ações dos seus governos como uma trama para forçar a saída da Varig e abrir
espaço para a TAM nos voos internacionais.
A Panair merece ter a
sua história resgatada e contada em homenagem aos seus dedicados aeronautas e
aeroviários, mas não como querem os órgãos oficiosos de propaganda do PT e da
qual a presidente da CV reproduz ou representa, imputando grosseiramente a culpa
na Varig. As histórias da Varig e da Panair e a dedicação dos seus funcionários
não podem ser sequestradas impunemente.
(1)
– CANUTO, Roberta. Marco Altberg: muitos cinemas.
2010.
22) - Fotos: Blog aeroluta, editora abril e outros.